Este perdão presidencial na RDC: uma verdadeira esperança de reconciliação ou uma manobra política disfarçada?

**Reflexões sobre a medida de perdão presidencial na RDC: Um passo em direção à reconciliação ou um simples ato político?**

A República Democrática do Congo (RDC) é um país atormentado por crises recorrentes, tanto no plano da segurança quanto no político. Neste contexto, a recente declaração da Comissão de Integridade e Mediação Eleitoral (CIME) sobre o despacho presidencial de 31 de dezembro de 2023, que concedeu perdão a certos presos, abre uma nova página de debate sobre a própria natureza da justiça e da reconciliação no país.

### Uma medida salutar ou calculada?

De início, é importante acolher a intenção por trás desta decisão. Ao permitir a libertação antecipada de certos condenados, o presidente Félix Tshisekedi não apenas responde a uma necessidade humanitária durante este período de festas, mas também a um clima político tenso. Citando o Papa Francisco, que enfatiza que “viver juntos envolve ofensas”, o CIME relembra uma verdade essencial: o conflito e a discórdia são realidades humanas, porém, a questão permanece: esta graça é verdadeiramente um ato de perdão? ou uma manobra estratégica para acalmar tensões políticas ?

O próprio CIME menciona que esse alívio das tensões é crucial para o país. Contudo, por trás dessa fachada conciliatória, é preciso perguntar quem são os verdadeiros beneficiários dessas medidas. De fato, esse perdão presidencial não se aplicará a presos por crimes graves, como violência sexual, corrupção ou ataques ao Estado. Isto levanta uma questão implícita: as vítimas destes crimes não merecem também um olhar de reconciliação?

### Um panorama judicial complexo

Olhando para os números, observamos que, de acordo com relatórios de organizações internacionais, cerca de 150.000 pessoas estão encarceradas na RDC, uma proporção significativa das quais são presumidas inocentes ou condenadas em condições duvidosas. O perdão presidencial, que visa libertar alguns milhares de prisioneiros, continua sendo uma gota no oceano de sofrimento. Em um contexto em que os direitos humanos são frequentemente violados, torna-se crucial considerar como uma estrutura prisional pode ser ampliada para incluir revisões judiciais aprofundadas, garantindo que injustiças reais sejam corrigidas.

### Uma oportunidade para o diálogo

O perdão presidencial também pode ser visto como uma oportunidade para estimular o diálogo em torno da reforma do sistema judicial na RDC. Numa sociedade onde a desconfiança nas instituições é palpável, parece ser o momento certo para considerar iniciativas como a criação de uma comissão de inquérito independente ou de Audiências de Verdade e Reconciliação, como vimos noutros países em situação de pós-conflito, como a África do Sul..

Para ir mais longe, as dívidas das injustiças do passado não podem ser saldadas apenas com perdões individuais, mas também com uma reforma profunda que vise estabelecer um sistema judicial imparcial, transparente e centrado na dignidade humana. Isso inclui treinar magistrados, criar um verdadeiro corpo legislativo sobre a proteção dos direitos humanos e estabelecer mecanismos sólidos para monitorar a aplicação das leis.

### Rumo a um futuro pacífico?

O fato de figuras políticas da oposição, como Jean-Marc Kabund, Seth Kikuni e Jacky Ndala, estarem entre os potenciais beneficiários desse perdão levanta a questão da reconciliação política e do retorno ao diálogo inclusivo. Esta iniciativa poderia ser o início de uma dinâmica real que visa construir o surgimento de um novo cenário político na RDC, baseado na paz e no entendimento mútuo?

Em suma, embora esta ordem presidencial represente um primeiro passo em direção a uma mudança muito desejada, é essencial observar e exigir ações concretas para garantir que os princípios de justiça e reconciliação sejam aplicados em toda a sua extensão. O caminho a seguir ainda é longo, mas cada passo em direção ao alívio das tensões é um passo em direção a um futuro pacífico para uma nação inteira.

Por enquanto, a vigilância dos congoleses e o comprometimento de todos os atores políticos e sociais são essenciais para que esta iniciativa não seja apenas um reflexo de um calendário eleitoral, mas sim um marco rumo a uma RDC pacífica e próspera. As questões permanecem: o perdão presidencial será o ponto de partida para uma transformação sociopolítica significativa ou um simples polimento de um sistema ainda obstruído por anos de impunidade e fracassos?

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