O dilema da imagem: Yahya Sinwar, mártir ou lutador?

Fatshimetrie – A imagem de um homem desesperado e solitário tentando atacar um drone militar sofisticado com uma vara de madeira pode provocar interpretações diversas. Ele é um indivíduo abandonado que luta em vão ou um herói que desafia o inimigo até o fim? A percepção depende do observador.

O anúncio das Forças de Defesa de Israel (IDF) sobre a morte de Yahya Sinwar na semana passada foi acompanhado por várias fotos e um vídeo mostrando o líder do Hamas em seus momentos finais de vida e após sua morte.

A publicação pretendia provar que o homem descrito como um dos principais arquitectos do ataque terrorista de 7 de Outubro estava de facto morto, ao mesmo tempo que alertava os inimigos de Israel que nenhum porto seguro os protegeria para sempre das FDI.

No entanto, a decisão de divulgar as imagens parece ter saído pela culatra, pelo menos em parte, uma vez que desde então tem sido usada para celebrar Sinwar como mártir e combatente da resistência.

Agora Israel está em modo de gestão de crises, divulgando fotos e vídeos antigos de Sinwar escondido em túneis com somas de dinheiro para retratá-lo como um homem egoísta que só tinha os seus próprios interesses em mente.

Gershon Baskin, especialista em Médio Oriente, activista pela paz e antigo negociador israelita que lidou com o Hamas, acredita que a divulgação destas imagens foi imprudente e muito provavelmente motivada politicamente em Israel.

Como negociador de Israel, Baskin facilitou a troca de prisioneiros de 2011, que resultou na libertação de mais de 1.000 detidos palestinos em troca de Gilad Shalit, um soldado das FDI detido em Gaza durante cinco anos. Yahya Sinwar estava entre os prisioneiros palestinos libertados neste acordo.

Segundo Baskin, trata-se simplesmente de controlar a narrativa do lado do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que precisava dessas fotos para comemorar uma vitória. O governo israelita é criticado por todos os lados pela forma como geriu a situação em Gaza. Ele é criticado localmente pela sua incapacidade de repatriar os 101 reféns ainda detidos em Gaza, e internacionalmente pelo elevado número de mortes palestinas e pela situação humanitária catastrófica no enclave.

“Eles não percebem que, ao divulgar este vídeo, estão consagrando o status de Sinwar na Palestina e no mundo árabe como um novo Saladino, um herói, um lutador até o fim”, disse Baskin, referindo-se ao famoso guerreiro muçulmano do século XII. que derrotou um exército cruzado muito mais poderoso e conquistou Jerusalém.

O Hamas rapidamente cooptou a narrativa ao declarar que Sinwar foi um mártir que lutou e morreu pela causa. Mesmo os palestinos que criticaram Sinwar e o Hamas no passado reconheceram as fotos e o vídeo como uma demonstração de desafio e bravura.

“Acho que os israelenses procuravam uma imagem de vitória, mas Sinwar deu-lhes uma imagem completamente diferente. Ele não estava escondido num túnel, como afirmou Netanyahu, nem estava a usar civis palestinianos como escudos humanos, como afirmava a propaganda israelita. Ele não estava atrás de prisioneiros ou cativos israelenses, como também disseram, ele estava lutando”, disse Mustafa Barghouti, um político palestino independente e presidente da Iniciativa Nacional Palestina.

“E esta imagem fará dele um herói aos olhos da maioria dos palestinos, dos árabes e de todas as pessoas que se opõem à ocupação israelense e à opressão sofrida pelos palestinos”, acrescentou.

O vídeo também levanta questões sobre como Sinwar foi morto. As IDF, os serviços de segurança israelitas e a agência de inteligência Shin Bet procuravam Sinwar há mais de um ano, com a ajuda da CIA. No entanto, foi por puro acaso que um grupo de soldados se deparou com Sinwar e o matou a tiros.

Inicialmente, eles nem sabiam que haviam matado Sinwar – o vídeo mostra Sinwar usando máscara e roupas militares. Só no dia seguinte, quando os soldados israelitas regressaram ao local para examinar o local, é que perceberam que se tratava de Sinwar.

Um protesto celebrando Sinwar ocorreu na capital do Iêmen, controlada pelos Houthi, Sanaa, em 18 de outubro de 2024.

Gil Siegal, advogado e chefe do Centro de Direito Médico, Bioética e Política de Saúde do Ono Academic College, em Israel, sublinhou que a utilização do vídeo por Israel e pelo Hamas para promover os seus respectivos objetivos não foi surpreendente.

“A verdade está nos olhos de quem vê. Objetivamente, a imagem mostra uma pessoa coberta de poeira, claramente ferida, tentando lançar um objeto contra um drone. Esse é o fato, o fato objetivo”, explicou.

“Agora vamos interpretar esse fato. Alguns dirão: ‘ah, você vê, essa pessoa luta até o último suspiro.’ Outros dirão: ‘Veja, é a idade da pedra confrontando a era das start-ups e da tecnologia.’ E outro dirá: ‘Veja, mesmo neste momento final, esta pessoa continua violenta e determinada a causar danos’, e assim por diante”, acrescentou.

A complexa narrativa em torno da morte de Yahya Sinwar levanta questões sobre a guerra em Gaza, as tácticas das diferentes partes envolvidas e o impacto da utilização dos meios de comunicação para moldar a narrativa em torno de acontecimentos trágicos e conflituantes. As imagens difundidas podem ter implicações diversas, provocar reacções diversas, mas não conseguem de forma alguma resumir a complexidade das realidades no terreno e as questões políticas internacionais que persistem no Médio Oriente..

Em última análise, a questão que permanece é sobre a verdade e como ela é moldada por aqueles que detêm o poder de controlar a narrativa. Os acontecimentos recentes que rodearam a morte de Yahya Sinwar ilustram de forma pungente as questões da guerra moderna, das relações internacionais e da luta pelo reconhecimento e legitimidade num contexto de conflito persistente.

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