Proposta de lei africana para combater a corrupção: uma análise crítica

No contexto dos preparativos para as eleições gerais de Maio de 2024 na África do Sul, foi proposta uma medida potencialmente significativa na luta contra a corrupção. Em 19 de abril, a deputada do Partido Democrata (DA), Glynnis Breytenbach, anunciou sua intenção de apresentar um projeto de lei para membros privados: o projeto de lei da 21ª Emenda da Constituição. Este projecto, recentemente submetido a consulta pública, propõe a criação de uma comissão permanente de combate à corrupção no capítulo 9 da Constituição.

Embora a África do Sul necessite certamente de uma tal comissão, o modelo sugerido neste projecto de lei não parece ser o ideal. Apesar das intenções louváveis ​​de Glynnis Breytenbach, o projeto de lei apresenta deficiências significativas que o tornam inadequado para ações futuras.

O período de consulta pública sobre o projeto terminou em 19 de maio. Teoricamente, o projeto de lei poderia ser submetido ao Parlamento na sua forma atual. No entanto, tal medida exigiria a aprovação tácita do Governo de Unidade Nacional, que ainda não foi dada ao nosso conhecimento. Ironicamente, o Partido Democrata provavelmente teria tido menos dificuldade em apresentar este projecto de lei antes da “revolta dramática do cenário político sul-africano” que se seguiu às eleições de 2024.

O facto de o projecto de lei ainda não ter sido apresentado proporciona uma oportunidade oportuna para uma reflexão crítica adicional sobre os seus pontos fortes, fracos e perspectivas de melhoria. É com isto em mente que propomos um modelo alternativo para uma comissão anticorrupção constitucionalmente ancorada, que respeite a Constituição e que seja mais eficaz na luta contra a corrupção.

Um dos principais problemas do projecto de lei é que retira ilegalmente ao Ministério Público Nacional (NPA) o seu poder constitucional de “iniciar processos penais em nome do Estado”, entre outras coisas. Em particular, o projecto de lei usurpa o poder do NPA para processar a corrupção grave e o crime organizado de alto nível, colocando-o nas mãos da comissão proposta. Esta medida vai contra a Constituição, que confere ao NPA um papel distinto e crucial na administração da justiça criminal. Além disso, o modelo de comissão anticorrupção proposto pelo projeto de lei diverge daquele recomendado pela Comissão Zondo e é contrário às melhores práticas internacionais. De um modo mais geral, o projecto de lei corre o risco de ser contraproducente na missão de longo prazo de combate à corrupção.

Além disso, três problemas graves e interligados são apontados no projeto de lei. O primeiro problema é que mina a arquitectura constitucional cuidadosamente definida para a divisão e exercício da autoridade do Estado. O NPA é estabelecido juntamente com o poder judicial e a Comissão Judicial no Capítulo 8, “os tribunais e a administração da justiça”. O NPA é uma instituição constitucional “híbrida” que se enquadra no Quarto Poder do Estado Sul-africano, o Ramo de Integridade e Responsabilidade, e não é uma entidade que reporta ao Executivo.

A Constituição confere à ANP – e apenas a ela – o “poder” de “iniciar processos penais” e “desempenhar todas as funções necessárias daí decorrentes”. Como todos os órgãos do Estado, deve agir no interesse público, sendo, portanto, constitucionalmente obrigado a fazê-lo “sem medo, favorecimento ou preconceito”, livre de qualquer influência externa sobre a sua independência.

No que diz respeito à independência do NPA, é essencial notar que já em 2011, no famoso caso Glenister II, a maioria do Tribunal Constitucional concordou com o advogado Paul Hoffman SC (agindo em nome do Sr. Glenister) que a dissolução do NPA o DSO (ou “Scorpions”) e sua substituição pelo DPCI (os “Falcons”) eram constitucionalmente insuficientes. Em resumo, isto acontecia porque, ao contrário dos Scorpions, que estavam integrados no NPA, os Falcons estavam subordinados ao SAPS e, portanto, não gozavam da necessária independência estrutural e operacional. Assim, a maioria sublinhou que, “para compreender a nossa concepção intrínseca de independência institucional, devemos recorrer aos tribunais, às instituições do Capítulo 9, ao PNND [Diretor do Procurador Nacional] e, neste contexto, também ao agora extinto DSO [dentro do NPA]”.

Desde Glenister II, o Tribunal Constitucional tem continuado a enfatizar a importância da “garantia constitucional de independência” do NPA, de modo que “qualquer legislação ou ação executiva inconsistente com esta estaria sujeita à revisão constitucional pelos tribunais”. O artigo 32.º da Lei da NPA e o Código de Conduta ilustram esta “garantia constitucional de independência”, sublinhando que qualquer regulamento ou acto executivo que lhe se oponha estaria sujeito à revisão constitucional pelos tribunais.

Neste contexto, é essencial reconhecer a evolução da compreensão sul-africana da separação de poderes, particularmente no que diz respeito à ascensão do Quarto Poder do Estado. Contrariamente à crença popular, este ramo não se limita às instituições do Capítulo 9, mas abrange vários órgãos independentes, como o NPA.

Em conclusão, a proposta de criação de uma comissão permanente anticorrupção é uma iniciativa louvável, mas o seu modelo actual apresenta deficiências significativas que podem comprometer a sua eficácia.

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