**Goma: Violência e impunidade nos campos de deslocados de guerra**
Nas lendárias colinas de Kivu, onde a beleza da paisagem contrasta cruelmente com os horrores da guerra, a cidade de Goma é submersa por uma onda de violência que parece perfeitamente direcionada aos mais vulneráveis. No centro dessa turbulência, campos para deslocados, como o de Lushagala, se tornaram lugares onde o medo e a ansiedade têm consequências desastrosas. O trágico incidente ocorrido em 7 de janeiro, quando um soldado feriu gravemente três civis antes de ser linchado por seus companheiros, não é apenas mais uma anedota trágica entre muitas outras. Ela ilustra um problema mais amplo, o da ineficácia das estratégias de segurança e proteção para populações deslocadas, ao mesmo tempo em que levanta questões sobre o papel das forças armadas em uma zona de conflito.
À primeira vista, o ataque de um soldado a civis pode parecer um ato isolado, mas, analisando mais de perto, ele faz parte de uma dinâmica contínua. De acordo com relatórios de várias organizações humanitárias, Goma e seus arredores viram um aumento de quase 30% nos incidentes de violência contra pessoas deslocadas entre 2022 e 2023. Com mais de 5 milhões de pessoas deslocadas desde 1998 em toda a República Democrática do Congo, os campos tornam-se lugares de tensão explosiva. Lushagala é sintomática de um sistema falido, onde pessoas deslocadas, privadas de todos os recursos econômicos, tornam-se alvos de violência e pilhagem, tanto por gangues organizadas quanto por aqueles que deveriam protegê-las.
O linchamento do soldado, longe de ser uma reação impulsiva, parece refletir um cansaço diante da insegurança endêmica e da falta de justiça. “Os soldados, que consideramos protetores, estão prejudicando nossa comunidade. Quanto sofrimento devemos suportar antes que a voz da sociedade civil seja ouvida?” pergunta Tshibambe Bujiriri Paul Bienvenu, presidente da sociedade civil do distrito de Mugunga.
Além dos fatores humanos desta tragédia, um quadro complexo de falhas na logística de segurança está surgindo. Os militares, sem treinamento adequado em um contexto civil, muitas vezes são lançados em um ambiente caótico alimentado por uma cultura de impunidade. Estatísticas alarmantes revelam que menos de 20% dos casos de violência perpetrados por membros das forças armadas são acompanhados por investigações rigorosas. Tal realidade alimenta um círculo vicioso em que a violência se torna, para alguns, um meio de sobrevivência.
A falta de resposta das autoridades a este último incidente também demonstra a falta de recursos e vontade política para resolver a crise. O hipoteticamente antecipado retorno à paz parece mais ilusório do que nunca, com os acontecimentos recentes evidenciando a fragilidade de um Estado que deveria acima de tudo garantir a proteção de sua população..
Em comparação, outros países em conflito, como a zona do Sahel, que também enfrentam os desafios de grupos armados e populações deslocadas, demonstram uma resposta mais proactiva por parte dos governos e dos parceiros internacionais no que diz respeito à segurança. Por exemplo, onde foram implementados projectos de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR), constatou-se que a violência foi reduzida em quase um quarto. É um modelo que poderia ser adaptado a Goma, mas que exigiria um compromisso determinado de todos os actores envolvidos.
Os incidentes recorrentes de violência nos campos de deslocados internos não devem ser vistos como inevitáveis, mas como sinais de alerta. A comunidade internacional, as ONG e as autoridades locais devem unir forças para criar uma rede de segurança para estas populações vulneráveis, assegurando ao mesmo tempo que as forças armadas respeitam as normas éticas e legais.
Chegou a hora de o Congo enfrentar a teimosa realidade da sua situação de segurança. Para garantir que tragédias como a de Lushagala nunca mais aconteçam, é imperativo restaurar a confiança entre as autoridades policiais e a comunidade que deveriam proteger. Este caminho está repleto de armadilhas e exige sacrifícios, mas é igualmente necessário para o renascimento da esperança de uma paz duradoura.