A complexa realidade do Djibuti: entre crises regionais e desafios internos

O artigo destaca os desafios complexos que o Djibuti enfrenta, entre crises regionais e desafios internos. Apesar da sua localização estratégica no coração da África Oriental, o país enfrenta problemas como a fome, a pobreza, a pesca ilegal, a repressão política e o tráfico de seres humanos. Fóruns regionais recentes concentraram-se nas crises circundantes, sem abordar estas questões locais. É crucial não negligenciar os desafios internos do Djibuti para uma ação mais eficaz e equitativa na região.
A realidade oculta do Djibuti: entre crises regionais e desafios internos

O Corno de África está em crise, apanhado nas garras das guerras civis na Etiópia e no Sudão, na contínua insurreição al-Shabaab da Somália e nas tensões crescentes entre a Somália e a Etiópia devido a um controverso acordo portuário com a Somalilândia. Neste contexto volátil, o Djibuti acolheu recentemente dois fóruns importantes: o diálogo anual do Heritage Institute for Policy Studies sobre a estabilidade regional e o Fórum de Segurança da África Oriental (EASF).

Estes fóruns visavam abordar questões regionais cruciais, mas estranhamente omitiram as próprias crises internas do Djibuti, como a fome generalizada, a pobreza e as deficiências democráticas. Este silêncio levanta preocupações sobre a forma como os intervenientes internacionais e regionais priorizam as suas agendas quando organizam discussões numa nação que enfrenta desafios internos significativos.

Redemoinho Regional e Dificuldades Locais

O Corno de África enfrenta uma complexa rede de conflitos. As guerras civis na Etiópia e no Sudão deixaram milhares de mortos e milhões de deslocados. A luta da Somália contra o al-Shabaab continua a ameaçar a estabilidade regional, enquanto as tensões entre a Somália e a Etiópia sobre o acordo portuário da Somalilândia acrescentam uma nova camada de discórdia.

O Djibuti, muitas vezes visto como uma ilha estável no meio deste caos, desempenha um papel estratégico. A sua posição no Estreito de Bab-el-Mandeb torna-o um centro para bases militares internacionais que acolhem tropas dos Estados Unidos, China, França, Japão e Itália. O país também está no centro dos esforços diplomáticos regionais. No entanto, por baixo desta fachada de estabilidade esconde-se uma infinidade de crises internas muitas vezes ignoradas nestas reuniões de alto nível.

Fome e pobreza

O Djibuti enfrenta uma grave insegurança alimentar, exacerbada por secas prolongadas, vulnerabilidade económica e dependência de importações de alimentos (90% do seu abastecimento). Entre Abril e Junho de 2024, quase 221 mil pessoas – ou 19% da população – enfrentaram fome aguda, de acordo com a Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC). No Ranking Mundial da Fome de 2024, o Djibuti ficou em 92º lugar entre 127 países, com uma pontuação de “fome grave” de 21,2.

Com 42% da população a viver em pobreza extrema e uma alarmante taxa de pobreza global de 79%, o desemprego continua a ser um dos principais impulsionadores das necessidades humanitárias. O clima quente e árido do Djibuti limita a produção agrícola, deixando o país fortemente dependente das flutuações nos preços internacionais dos alimentos.

Desafios Marítimos

O território marítimo do Djibuti é cada vez mais afetado pela pesca ilegal, principalmente por frotas do Iémen e da China. Estas atividades não regulamentadas esgotam as unidades populacionais de peixes, perturbam os meios de subsistência locais e prejudicam o ecossistema marinho. Pior ainda, facilitam redes de crime organizado que utilizam navios de pesca para contrabandear mercadorias, armas e pessoas.

A incapacidade do governo de policiar eficazmente as suas fronteiras marítimas agrava o problema. As operações navais internacionais, como as realizadas pela União Europeia, centram-se principalmente no combate à pirataria e não na pesca ilegal, deixando este problema crucial em grande parte sem solução.

Repressão Política e Déficits de Governança

Internamente, o Djibuti é criticado pela sua governação autoritária sob o presidente Ismaïl Omar Guelleh, no poder desde 1999. O seu governo é acusado de corrupção, sufocando a dissidência e consolidando o poder. As alegações também ligam a sua administração a laços questionáveis ​​com o Banco Salaam da Somália, que estava alegadamente associado ao financiamento do al-Shabaab.

Este ambiente político está a alimentar o descontentamento generalizado e a levantar questões sobre a capacidade do governo para gerir a segurança interna. A falta de liberdades democráticas e de transparência no Djibuti também prejudicou o desenvolvimento económico, desencorajando o investimento estrangeiro e aprofundando a desigualdade.

Tráfico Humano

O Djibuti é um centro de trânsito crítico para migrantes que fogem da pobreza e dos conflitos na Etiópia e na Somália, que procuram melhores oportunidades nos países do Golfo. No entanto, muitos são vítimas de redes de tráfico de seres humanos que exploram as deficiências dos controlos fronteiriços e da aplicação da lei do país. Os migrantes enfrentam condições desumanas, incluindo trabalho forçado e exploração sexual, tanto no caminho como nos seus destinos.

Estas redes de tráfico utilizam o Djibuti como porta de entrada para o Iémen, transportando frequentemente migrantes em barcos sobrelotados e perigosos através do temido Golfo de Aden. Muitos não sobrevivem à viagem. Apesar dos esforços das organizações internacionais para combater o tráfico de seres humanos, o problema persiste, alimentado por recursos limitados e por uma governação fraca.

Os Fóruns: Foco Regional, Silêncio Local

De 25 a 27 de Novembro, o fórum do Heritage Institute reuniu académicos, políticos e líderes tradicionais para discutir a instabilidade regional, incluindo as guerras civis na Etiópia e no Sudão, os desafios políticos da Somália e a ameaça do al-Shabaab. Da mesma forma, o Fórum de Segurança da África Oriental, organizado de 21 a 23 de Novembro em Camp Lemonnier, centrou-se na gestão de conflitos inter e intra-estatais, bem como no investimento no sector privado para a estabilidade..

Embora estes fóruns tenham abordado questões regionais cruciais, o silêncio em torno dos desafios internos do Djibuti levanta questões sobre as prioridades das partes interessadas internacionais e regionais. Ao centrar-se nas crises vizinhas, estas discussões obscurecem as profundas lutas locais do Djibuti, criando uma disparidade que merece uma reflexão mais aprofundada.

É, portanto, imperativo não esquecer as muitas complexidades e desafios que o Djibuti enfrenta internamente, mesmo durante grandes discussões regionais e internacionais. Reconhecer e abordar activamente estas questões poderia contribuir para uma visão mais holística e equitativa da situação no Corno de África, promovendo assim uma acção mais eficaz e sustentável para o bem-estar de todos os cidadãos da região.

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