“Fatshimetrie”: um mergulho profundo nas notícias do teatro na África
Na escuridão de uma sala iluminada por um holofote, Oliva Ouedraogo brande um pedaço de pano aparentemente manchado de sangue. A sua voz ecoa enquanto ela grita “Viva a menina!”, encobrindo o ruído surdo de um gerador, uma triste necessidade quando a cidade de Bamako, no Mali, está mergulhada na escuridão devido aos cortes de energia.
A peça teatral “Reine” de Ouedraogo, apresentada no centro cultural Acte Sept no dia 15 de outubro, conta a história de uma jovem que desafia a família e denuncia depois de ser estuprada pelo padrasto na noite de seu casamento.
Originária do Burkina Faso, Ouedraogo explica que escreveu este artigo para quebrar o silêncio que rodeia a violação e a agressão sexual em África. Ela expressa a sua indignação pelo facto de as vítimas desta violência serem consideradas “sujas” e “desperdiçadas”, e de se sentirem obrigadas a permanecer em silêncio para evitar conflitos familiares.
Os números oficiais revelam que quase metade das mulheres malianas com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos foram vítimas de violência física ou sexual durante as suas vidas. Um relatório do Instituto Nacional de Estatística do Mali indica que 68% destas mulheres nunca falaram sobre esta violência com ninguém.
Adama Traore, diretor do centro cultural Acte Sept, diz que escolheu apresentar esta peça porque o silêncio em torno do estupro é um grande problema. Sublinha a importância de confrontar o público com estes lados obscuros da sociedade, quer se trate de violação e incesto na Europa, em África, no Ocidente ou noutros locais.
Mariama Samake, diretora da ONG maliana “Filles en Détresse”, sublinha que a cultura do silêncio denunciada por Ouedraogo é generalizada. Segundo ela, em todas as famílias há meninas vítimas de estupro. No Mali, uma sociedade patriarcal, estas vítimas são forçadas a permanecer em silêncio.
“Reine” será apresentada novamente no próximo mês no Théâtre Cesana em Ouagadougou, capital de Burkina Faso. Esta peça, através da sua história e performances comoventes, destaca as questões complexas e dolorosas que rodeiam a violação e a violência sexual em África, inspirando o público a refletir e a quebrar o silêncio que persiste.